Conversava ontem com a Bia sobre a falta de prioridade de países subdesenvolvidos (o politicamente correto é "em desenvolvimento"...) na educação (nossa conclusão irônica e triste foi de que se o Brasil tivesse furacão, terremoto e neve, por exemplo, seria uma miséria total, pois sem nenhum desses problemas as coisas não andam, imaginem com eles) e achei hoje no blog do Noblat este artigo do senador Cristovam Buarque, vale a pena ler:
As Duas Democracias
Os últimos governos brasileiros têm defendido a democratização do acesso ao ensino superior, sem ampliar, no entanto, o número dos que terminam o ensino médio com qualidade. É uma democratização conservadora. Para o topo, não pela base.
Há democracias conservadoras e democracias progressistas. A grega foi conservadora, escravocratra, excludente, sem espírito transformador.
A norte-americana começou conservadora, escravocrata. O gesto progressista da abolição do regime escravocrata exigiu uma guerra civil, não foi viável pelo voto. Até porque os escravos não tinham direito a votar. Depois voltou a ser conservadora: acredita na evolução do sistema social graças ao aumento da riqueza. A partir dos anos 1930, a conservadora democracia dos Estados Unidos, apesar de manter-se conservadora, assumiu um caráter um pouco mais generoso, com o uso dos sistemas de proteção ao desemprego e o “food-stamp”, uma espécie de Bolsa-Família em “ticket” para comprar comida.
A democracia européia, com os social-democratas, assumiu um caráter progressista: fez mudanças estruturais que universalizaram a qualidade da educação e o acesso à saúde pública em bases eqüitativas para toda a população e ampliou os benefícios aos trabalhadores. Juntou-se a isso um sistema generoso de proteção social.
Quando a generosidade passou a ameaçar as finanças públicas, no lugar de fazer reformas progressistas que mantivessem os benefícios para as massas, retirando privilégios das minorias, optou-se pelas reformas conservadoras dos anos 1980/1990.
A democracia norte-americana continuou conservadora e perdeu a generosidade; a européia esgotou seu processo transformador ficando conservadora e está perdendo o sentimento de generosidade.
Nesse meio tempo, o Brasil passou por um período sem democracia e quando ela volta, em 1985, é com o mesmo caráter conservador e egoísta que caracteriza nossa sociedade desde sua fundação. Democracia com exclusão. O governo Lula se propôs a ser a primeira democracia progressista do Brasil, mas frustrou as expectativas. É um governo democrático e conservador: não se propõe a mudar a realidade social, quebrar a apartação. Diferentemente da democracia sul-africana que é progressista, porque se constituiu para abolir o sistema de apartheid racial e mudou sua estrutura legal.
A Bolsa-Escola era um programa de democracia progressista: ao investir na educação, faria uma revolução social. A Bolsa-Família é democrática e conservadora, porque não muda a estrutura social. Embora um bom programa do ponto de vista da generosidade, não carrega vigor transformador. O governo Lula tem a qualidade positiva de ser uma democracia generosa, mas, ainda assim, conservadora. E sem futuro: a generosidade esgotará seus recursos, como aconteceu na Europa e nos Estados Unidos.
O aumento no número de cursos e vagas no ensino superior durante o governo Fernando Henrique Cardoso foi um passo de democratização conservadora. O ProUni deu um passo adiante: a generosidade. Mas continua uma democratização conservadora, tendo em vista que beneficia aos mesmos que já terminam o ensino médio. Seria progressista se fosse parte de uma revolução que garantisse a conclusão do ensino médio com qualidade para todos os jovens. Ou se, como foi concebido inicialmente em 2003, mas abandonado em 2004 - sob o nome de Programa de Apoio ao Estudante (PAE) -, o aluno beneficiado tivesse de exercer o papel de alfabetizador de adultos, durante parte do período em que recebia a bolsa.
Os programas Bolsa-Família e ProUni nasceram de idéias progressista, como a Bolsa-Escola e o PAE, mas ficaram conservadores ao se desligarem da educação de base e da alfabetização. Embora generosos, perderam o caráter transformador. Por isto, Lula não é Mandela. Mas ainda pode vir a ser: bastará entender que a revolução de hoje, emancipadora, progressista, democrática, se fará por uma revolução pela educação de base, erradicando o analfabetismo e universalizando o número de concluintes do ensino médio com qualidade.
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