18.10.10

Folha de São Paulo: como distorcer uma entrevista - ou 'os tucanos não têm jeito, têm horror a pobre'

Recebi mensagem do meu 'amigo virtual' @osvaldoacastro que, claro, queria me provocar porque ele não gosta do PT (mas odeia Serra), e eu sou PT. Uma entrevista do sociólogo Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, que dispara críticas tanto ao seu ex-partido quanto ao PSDB

Vejam o título da entrevista e compare com os trechos que reproduzo. Fica parecendo pelo título que o sociólogo entrevistado é contra Lula e o PT. Mas vou resumir as principais afirmações dele durante a entrevista e você conclui se a manchete é ou não distorcida (sabendo que muita gente só lê a manchete para alimentar conversas de elevador ou retuitar sem ler)

O entrevistador tenta direcionar a entrevista para dizer que José Dirceu terá poder em um eventual Governo Dilma, que Lula é uma ameaça à democracia, e o entrevistado discorda de ambas as alegações.

Vejam como é o resumo da entrevista que a Folha faz nos 2 primeiros parágrafos, e como não bate com o resto, a começar pela primeira resposta, onde Francisco já diz que tucanos têm horror a pobre, expressão que é repetida várias vezes e que, por isso, seria merecedora da manchete, mas a 'opção' da Folha é outra...

E vejam na última frase que a Folha tenta arrancar dele de todo jeito uma escolha entre os candidatos, ao que ele reitera:  'É difícil. Os tucanos têm horror a pobre. Os tucanos não têm jeito'. Captou?

Francisco de Oliveira faz duras críticas a Lula ao PT, que devem ser democraticamente acolhidas e discutidas. Também faz ao PSDB, que 'não tem jeito', que administra 'por cima', 'pouco à vontade com o povo'. A entrevista tem seu valor e deve ser assim compreendida. Manipulada ou distorcida, aí não.

Não retransmita nada sem ler direito, nem acredite só nas manchetes. Quer falar sobre alguma coisa? Leia várias fontes, e o conteúdo todo, assim derrubamos esse tipo de manipulação perversa

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Sociólogo e fundador do PT afirma que 'Lula é mais privatista que FHC'

No começo de 2003, ano em que rompeu com o PT, o sociólogo Francisco de Oliveira, 76, afirmou que "Lula nunca foi de esquerda".

Agora, o professor emérito da USP dá um passo adiante e diz que Lula, mais que Fernando Henrique Cardoso, é "privatista numa escala que o Brasil nunca conheceu".

Na entrevista abaixo, Oliveira, um dos fundadores do PT, também afirma que tanto faz votar em Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB), analisa o papel de Marina Silva (PV) e critica a entrada do aborto no debate político pela ótica da religião.

Folha - Qual a sua avaliação sobre o debate eleitoral no primeiro turno?

Francisco de Oliveira - Fora o horror que os tucanos têm pelos pobres, Serra e Dilma não têm posições radicalmente distintas: ambos são desenvolvimentistas, querem a industrialização...

O campo de conflito entre eles é realmente pequeno. Mas, por outro lado, isso significa que há problemas cruciais que nenhum dos dois está querendo abordar.

Que tipo de problema?

Não se trata mais de provar que a economia brasileira é viável. Isso já foi superado. O problema principal é a distribuição de renda, para valer, não por meio de paliativos como o Bolsa Família. Isso não foi abordado por nenhum dos dois.

A política está no Brasil num lugar onde ela não comove ninguém. Há um consenso muito raso e aparentemente sem discordâncias.

Dá a impressão que tanto faz votar em uma ou no outro...

É verdade. É escolher entre o ruim e o pior. (nota minha: repare que aqui ele não diz que são a mesma coisa. Existe um ruim e o pior. E abaixo, pelo que ele diz dos tucanos, percebe-se quem é o pior a que ele se refere)


Qual a sua opinião sobre a movimentação de igrejas pregando um voto anti-Dilma por causa de suas posições sobre o aborto? (a Folha se esquece de cidtar que essa campanha religiosa é alimentada por José Serra, que inclui até 'Jesus é a verdade' em seus santinhos agora)


É um péssimo sinal, uma regressão. A sociedade brasileira necessita urgentemente de reformas, e a política está indo no sentido oposto, armando um falso consenso.

O aborto é uma questão séria de saúde pública. Não adianta recuar para atender evangélicos e setores da Igreja Católica. Isso não salva as mulheres das questões que o aborto coloca.

O que significa a entrada desse tema no debate?

Representa o consenso por baixo devido ao êxito econômico. Essas posições conservadoras ganham força. Há uma tendência a todo mundo ser bonzinho. Nesse contexto, ninguém quer tomar posições consideradas radicais.

Com o progresso econômico, há um sentimento de conformismo que se alastra e se sedimenta, as pessoas ficam medrosas, conservadoras. Isso está ocorrendo no Brasil.

Gente da classe C e D mostra-se a favor de uma marcha de progresso lenta e contínua. Eles não querem briga, não querem conflito. Por isso o Lula paz e amor deu certo.

Se as pessoas tornam-se conservadoras, o que explica a divisão do Brasil quando considerada a votação de Dilma e Serra nos Estados?

É um racha. Significa que a questão da desigualdade regional ainda é muito marcante. Aliás, essa é outra questão que está fora da discussão. Os dois não querem abordar o tema. O que eles têm a dizer sobre os problemas regionais? O que fazer com as regiões deprimidas?

Por baixo disso tudo está a velha história de que São Paulo é uma locomotiva que puxa 25 vagões vazios.

Essa tensão existe. Esse desequilíbrio vai criando a sensação de que há um lado pobre e um lado rico. Como se houvesse um voto comprado, de curral eleitoral, e outro consciente. Há de fato uma fratura, e isso ressurge em períodos eleitorais.

O sr. foi um dos primeiros a romper com o PT, em 2003, e saiu fazendo duras críticas ao presidente. Lula, porém, termina o mandato extremamente popular. Na sua opinião, que lugar o governo Lula vai ocupar na história?
A meu ver, no futuro, a gente lerá assim:

Getúlio Vargas é o criador do moderno Estado brasileiro, sob todos os aspectos. Ele arma o Estado de todas as instituições capazes de criar um sistema econômico. E começa um processo de industrialização vigoroso. Lula, é bom que se diga, não é comparável a Getúlio.

Juscelino Kubitschek é o que chuta a industrialização para a frente, mas ele não era um estadista no sentido de criar instituições.

A ditadura militar é fortemente industrialista, prossegue num caminho já aberto e usa o poder do Estado com uma desfaçatez que ninguém tinha usado.

Depois vem um período de forte indefinição e inflação fora de controle.

O ciclo neoliberal é Fernando Henrique Cardoso e Lula. Coloco ambos juntos. Só que Lula está levando o Brasil para um capitalismo que não tem volta. Todo mundo acha que ele é estatizante, mas é o contrário.

Como o sr. avalia as afirmações de que o comportamento de Lula ameaça a democracia?
Não vejo como uma ameaça. Mas o Lula tem um componente intrinsecamente autoritário.

Em que sentido?

Ele não ouve ninguém, salvo um círculo muito restrito, e ele tem pouco apreço por instituições.

Eu o conheço desde os anos de São Bernardo. Ele tem a tendência, que casa perfeitamente com o estilo de política brasileira, de combinar primeiro num grupo restrito e, depois, fazer a assembleia. Ele sempre agiu assim.

Não é pessoal, é da cultura brasileira, ele foi cevado nisso. Mas não que ele queira derrubar a democracia.

Isso é da cultura política em que ele foi criado: o sindicalismo, que é um mundo muito autoritário, muito parecido com a cultura política mais ampla. E ele se dá bem, sabe se mover nesse mundo.

As instituições de fato não são o barato dele. Mas ele não ameaça a democracia do ponto de vista mais direto nem tem disposição de ser ditador. Acho essas afirmações um exagero, uma maldade, até. Elas têm um conteúdo político muito evidente.

Agora, certa ala do PT, com José Dirceu... Esse tem projetos mais autoritários.

E essa ala ganharia mais força num governo Dilma?

Acho que não. Porque Lula vigia ele de muito perto. Lula não gosta dele [José Dirceu]. Tem medo, até, do ponto de vista político. Ele veio de outra extração, a qual Lula detesta. Uma extração propriamente política, de esquerda.

O sr. já disse que Lula havia matado a sociedade civil. O que pode acontecer num governo Dilma e Serra? Haveria diferença?

Os governos tucanos têm horror ao povo. Isso não é força de expressão. É uma questão de classe social.

Eles não têm contato com o real cotidiano popular. Eles não andam de ônibus, não têm experiência do cotidiano da cidade. Nem de metrô eles andam, o que é incrível.

A cidade é grande, tem violência, a gente sabe. Mas eles não sabem como é o transporte, como são os hospitais, as escolas públicas. Há uma fratura real, eles perderam a experiência do cotidiano real. E isso não entra pelas estatísticas, só pela experiência.

Por causa disso, o governo deles é sempre uma coisa muito por cima. Eles são pouco à vontade com o popular. Essa é a diferença marcante em relação a Lula.

Sobre Dilma eu não sei. Ela pode também sofrer desse mal.

Mas, do ponto de vista da evolução e da função dos movimentos sociais, qual dos dois é preferível?

Eis uma questão difícil. Os tucanos, com esse horror a pobre, tendem sempre a aumentar essa fratura, essa separação. Os tucanos não têm jeito...


Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui

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