Nestes tempos de descrença total na política, com escândalos sucessivos e aquela sensação de que nada vai mudar, que todos estão lá só pra roubar (com o chocante resultado de pesquisa realizada com a população que disse fazer a mesma coisa se estivesse no lugar deles...), cheguei a
postar aqui que estava desistindo de acreditar..., mas, lendo "Política", de Aristóteles, há um tempo encostada no criado-mudo por suposta falta de tempo, resolvi continuar tentando.
Para Aristóteles, assim como para Sócrates, o homem atinge a felicidade através da virtude. Mas uma vez que as excelências ou virtudes humanas apenas são realizáveis na esfera da sociedade política, a cidade (no sentido de comunidade social e política, não só um lugar onde vivem as pessoas) tem que se preocupar com a virtude. Assim, o fim da comunidade política é assegurar aos cidadãos, livres e iguais, a vida boa.
Utopia? O regime é imperfeito e nossos representantes só se preocupam consigo mesmos? Bom, ainda segundo Aristóteles, as imperfeições dos regimes resultam da falta de protagonismo dos cidadãos livres e iguais que deveriam constituir o grupo predominante na vida política. Ou seja: NÓS COLOCAMOS OS CARAS LÁ: ELES SÃO A NOSSA CARA. SE NÃO ESTÁ BOM, COLOCAMOS OUTROS OU NÓS MESMOS TENTAMOS IR PRA LÁ.
Então, vamos falar da votação da reforma política que começa hoje e que, sabe-se lá por que, com dois dos pontos mais polêmicos sendo discutidos primeiro (normalmente discutem só o superficial, e fica sempre um remendo de reforma): o voto em lista e o financiamento público de campanha (R$ 7 por eleitor distribuído entre os partidos) - os outros pontos polêmicos são a fidelidade partidária (impedir a mudança desenfreada de partidos, que ocorre normalmente atrás de dinheiro e facilidades com os governos), e a cláusula de barreira (que diminuiria as dezenas de partidos que já houve no Brasil pra uns cinco ou seis - não sei se isso é bom, acho, por exemplo, que PC do B e PSOL são essenciais na nossa política, e deixariam de existir com essas regras).
Eu já fui a favor do financiamento público das campanhas - uma maneira de evitar que quem tenha mais dinheiro pra gastar na campanha (próprio ou 'financiado' por empresas, que depois mandam a conta), tenha muito mais chances de se eleger. Quem é contra o financiamento público diz que o que precisa melhorar é a fiscalização da prestação de contas, porque a contribuição externa, por fora, vai continuar havendo, mesmo se mudar para o que estão propondo. Também concordo. Então não sei mais se sou a favor ou contra.
Sobre o voto em lista, a polêmica ainda é maior. Hoje votamos num sujeito, mas podemos eleger outro, dependendo da coligação e do quociente eleitoral, o voto, mesmo que numa pessoa se transforma em voto na coligação, e o resultado é gente totalmente desconhecida e sem voto sendo 'puxada' pelos Malufs, Clodovis e Enéas da vida. Além disso, como as coligações, em sua maioria, têm fundamento puramente pragmático e nada ideológico, o meu voto pro PC do B ou pro PT pode virar voto pros repugnantes partidos do mensalão, o PR (ex-PL), ou PTB, por exemplo, dependendo dos arranjos locais.
Quem é a favor do voto em lista diz que, desta maneira, essas aberrações provocadas pelo quociente eleitoral e pelas coligações desaparece. O partido elabora sua lista, se você gosta, vota no partido e ajuda a eleger aqueles caras, naquela ordem. Quem é contra (destaco o Alon Feuerwerker, em seu excelente
blog,
neste e
neste post) diz que os 'caciques' dos partidos vão colocar sempre os mesmos caras na lista, e nunca vai entrar gente nova. Os amigos do Aécio aqui, os amigos do ACM na Bahia, os amigos do Sarney no Maranhão e assim por diante.
Aí eu fico na dúvida mesmo: imagine se eu, como petista que ainda acredita haver mais cabeças boas no partido que nos outros, morasse em São Paulo? Lá, a lista sempre vai ter os mesmos caras, os mensaleiros e aloprados que quase afundaram o primeiro mandato do Lula: João Paulo Cunha, José Mentor, Professor Luizinho, José Genoíno, quem sabe o próprio Delúbio. Assim não há ideologia que resista.
Como diz o Noblat, mesmo depois de uma década de discussão, não há nada próximo a um consenso entre os deputados. Mas, enfim, só de estar em pauta já é um avanço. Mas nós, se queremos ser cidadãos no conceito de Aristóteles, temos que participar, porque quem está lá é um espelho da gente aqui: se não estamos nem aí, os parlamentares também não estão nem aí, e vão cuidar só dos interesses pessoais.