5.3.07

Admirável mundo novo

Entre as "regras" que os especialistas de plantão divulgam para o "sucesso" de um blog, está o de não ficar copiando e colando textos de outros lugares. Concordo que temos que manifestar a nossa opinião, senão o blog perde sua razão de existir.

Mas, como não copiar e colar o texto abaixo? Em meio a mais esta campanha da mídia e dos "cidadãos da Internet", que aliviam sua consciência de não serem cidadãos plenos repassando e-mails indignados a torto e a direito sobre diversos assuntos sem comprovar ou nem saber a que se referem, este artigo publicado no Blog do Noblat e escrito pela Louise Caroline, vice-presidente da UNE, se destaca pelo rompimento com a mediocridade e oportunismo do qual somos vítimas e agentes. Vale a pena ler, copiar, colar e divulgar.

Admirável mundo novo

É mentirosa a tese de que a criminalidade juvenil no Brasil advém da impunidade. O engajamento de crianças e adolescentes no crime é retrato, justamente, do excesso de punição imposto à maioria deles.



Debater redução da maioridade penal em uma sociedade que, tacitamente, legitima a pena de morte inescapável à boa parcela de seus habitantes, soa como ridículo. Os jovens que só se tornam visíveis quando vitimizam alguém do mundo de cá, já estão condenados à morte, à violência, ao encarceramento e à marginalidade.



Não importa sua idade. Nem dependem de julgamento. Mudar as leis para quem o Estado Democrático de Direito nada representa é inútil. Não têm direitos os que sobrevivem nas favelas, no campo e nas periferias brasileiras. A vida como valor máximo e fundamental de nossa sociedade oficial, pouco vale nas bandas de lá. Desconhecem a saúde, o lazer, a educação, a esperança, esses meninos.



O assassinato de João Hélio indignou todos nós. A crueldade da ação e a banalização da vida daquela criança nos fizeram enxergar como monstros seus algozes. Nada justifica esse crime e devem ser punidos os que o cometeram. Mas como classificamos a nós mesmos, que, diariamente, ignoramos os centenas de Joãos, Pedros e Marias assassinados cruelmente, como se nada valessem, nas ruelas e becos Brasil afora?



Crimes ainda mais bárbaros, motivos ainda mais fúteis matam todos os dias crianças como João Hélio. A diferença é que isso acontece no mundo de lá. Longe de nossos olhos e de nossos veículos de comunicação. E nós seguimos fingindo ignorar o genocídio urbano brasileiro.



Somos monstros. Monstros ainda piores que os assassinos de João Hélio. Porque não nos levantamos para exigir punição, mudança nas leis, modificações sociais que garantam que a vida daqui valha tanto quanto a de lá.



Ao contrário, diante de um crime bárbaro, pretensos defensores da segurança pública, arvoram-se, rapidamente, a sustentar a tese de que a criminalidade não tem relação com as condições sociais dos que a praticam. Mas, se o comportamento não é social, seria ele biológico? Estariam a maldade, a frieza, a crueldade e a desvalorização da vida condicionadas geneticamente? Só essa justificativa nazista pode se contrapor ao argumento de que é a sociedade e as condições de vida desses jovens que os conduz à criminalidade.



Diante do cenário em que o mundo de cá diz ao mundo de lá que até os 16 anos lhes serão negados todos os direitos e que, completa esta idade, ser-lhes-á apresentada a cadeia, comprova-se profética a obra “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley. A sociedade imaginária e futurista de Huxley se organiza através de um sistema científico de castas em que as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a exercerem determinados papéis.



A redução da maioridade penal só tem lógica se for esta a decisão de nossa sociedade: definir, desde cedo, o “lugar” de cada um. A diferença em relação à obra literária é que, aqui, a divisão é feita pelo capital. E que, aqui, a estratégia não tem como dar certo. Porque, em Huxley, mesmo os seres Y têm suas necessidades básicas satisfeitas.



No Brasil e em qualquer lugar do mundo, quanto mais se intensificam a segregação e as diferenças sociais, mais suas conseqüências perturbam os incluídos. Adiantar a idade penal significará, apenas, adiantar a entrada no crime. Não é a falta de cadeia e de punição que nos trouxe até esta catástrofe social. Nos últimos anos, aumentou consideravelmente o número de jovens detidos e, paralelamente, aumentou a violência juvenil. Podem ser esquartejados em praça pública os assassinos de João Hélio que novos casos continuarão a acontecer todos os dias.



Ou compreendemos que apenas a igualdade social e a valorização da vida em toda a sociedade podem resolver, de fato, o problema da segurança pública, ou estabelecemos de vez a cultura da vingança. O mundo de lá arrastando uma criança para se vingar do mundo de cá que empurra suas crianças para a morte; e o mundo de cá aprisionando cada vez mais crianças de lá para se vingar de sua criança arrastada.



É o caos esse sistema. É a barbárie absoluta. Alimentamos com sangue infantil nosso egoísmo, nossa ganância e nossas vinganças. Inventamos soluções mascaradas para fugir da verdade sabida: enquanto tão poucos tiverem tanto e tantos tiverem nada, não haverá admirável, nem novo, nem mundo.


Louise Caroline - Vice-Presidente da UNE- louiseune@gmail.com

Um comentário:

Vini disse...

É Tales, se deixarmos a coisa andar como anda. Ficaremos reféns desses criminosos que matam por tão pouco. Amanhã estarei inaugurando o site Chega de Impunidade que é idealizado por mim e será a primeira manifestação virtual do Brasil. Temos que fazer nossa parte para tentarmos mudar esse Código Penal. Se ficarmos de braços cruzados a coisa vai piorar ainda mais.